quinta-feira, fevereiro 12, 2009


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ou
A Cidade dos espelhos

O primeiro habitante chegou distraído, entediado em seu quarto abriu os portões de letras e como num suspiro talhou palavra por palavra um bom dia, e isso foi tudo.

O segundo vinha de longe, tinha recém chegado à cidade e no instante em que pisara, lembrou dos portões que a muito tempo já tinha aberto e resolveu retomá-los.

Três, quatro, vinte pessoas também chegaram lá, cada um do seu modo, uns trazendo badulaques coloridos, balangandãs literários, penugens de letra nova ou arrogância de aborto, outros tal como conseguiam: só com a palavra do corpo. Ninguém sabia o que iria encontrar e muitos nunca encontraram nada.

Cada um construiu para si uma casa, umas barulhentas de músicas estranhas, outras simples, no estilo pré-fabricado, outras sofisticadas exibiam vitrais e afrescos. E assim começou. O primeiro trouxe a saudação, o segundo o caminhar, o terceiro não se esquecia das flores do parque, o outro das luzes dos carros... Sons, ouvidos, vozes, sussurros e gemidos começaram a reproduzir no virtual a calada de uma cidade, tantas vozes, tantos habitantes, diferentes lugares, diferentes olhos e maneiras se cruzavam e pavimentavam ruas e sonhos... Nunca diziam da mesma paisagem, três caminhantes de uma mesma rua viam lugares diferentes e se algum dia chegaram a concordar fora a respeito da chuva de verão. Ela caíra, tempestade horrenda, chuveirada de cristal, era o embalar de sonhos e o farolete dos pesadelos.

Outros habitantes foram chegando, refletiam para além dos portões os alicerces de uma cidade inteira, alicerces de sonho e imaginação, construíram no mundo uma cidade de espelhos, onde ao se olhar pavimentavam calçadas, comentavam, passavam.

Com o tempo as ruas foram até se abrindo e diferentes pessoas cruzaram seus asfaltos, habitaram postos diferentes, co-habitaram novas moradas, se amaram...

Por instantes um casal se derreteu, um beijo que não era para ele, um sussurro que não era para ela. Fora amor à primeira vista! Ninguém nunca saberia, voltariam a se ver por entre os portais e isso seria tudo. Ver-se-iam nos beijos que eram um para o outro sem nem saber que eram a necessidade de tal afeto... Sem nunca suspeitar que, naquele labirinto, dois espíritos reais tinham se cruzado e por não imaginarem, nunca se tocaram.

Baús esquecidos foram abertos, de dentro dele fotos e histórias foram retomadas, umas antigas, de gerações anteriores, traziam a antiguidade àquele espaço: criaram museus de lembranças e enrugaram os caminhos, outros trouxeram os tesouros que roubaram dos piratas, vinham de terras distantes, além mesmo da realidade, de terras além das pálpebras. Naqueles caminhos muitos se perderam, alguns se encontraram e nem dá para saber aonde. Não se sabe como foi, sabe-se mais ou menos que foi assim... E só.

Vários corpos num mesmo espaço compartilhando o mesmo planeta, almas em diferentes mundos, palavras num mesmo redemoinho, esperanças e necessidades naquela cidade, naquela metrópole de espelhos, flutuando no meio de todos, balançando no firmamento