domingo, maio 18, 2008

Ainda guardo no peito o barroco das rendas, as tramas de afinidades e risos... O cheiro de corpo e flor, o aroma de canela permeando as curvas dos corpos.

Ela estava ali, uma criança risonha deitada nas almofadas sob a janela, olhava como quem quer brincar, a imagem perfeita daquilo que resistiu ao tempo e ainda conserva os antigos traços da primavera...

Está no meu peito, o triângulo sangrento de quem busca o aconchego na aventura, de quem já viu o mundo inteiro através de uma janela aberta. Tantos sóis são precisos para escavar um sentimento que nem o frio é capaz de destruir o fluido das fumaças de bolo.

Eu espiava o menino, parecia que permaneceria ali a eternidade, convidando sempre para pular no ar, viver o imaginário mais uma vez, a voz de quem sente mais o que é pequeno do que o que é quente, a vontade de viver o que é grandemente novo no lugar do que é eternamente fluido.

Guardo uma canção dos velhos que escutei na infância, guardo o calor de colcha de retalhos e de um café bem passado, sei que é um mundo diferente a cada dia, mas a cada voz que ouço, me apego ao meu antigo berço, à luz clara da minha terra, tão minha que permanece no mesmo lugar, na mesma canção do exílio que entôo como um inconsciente frente aos prazeres do caos.

Pobre garotinho, mal percebe o punhal que escondo, em instantes ele estará degolado, a cabeça sangrenta rolando pelas rendas da sala, enquanto devoro o coração... Tudo é energia, engulo tua carne com sangue para que viva para sempre, não como menino, mas como parte do meu corpo... Devoro-o com a velha fúria indígena, pelo vítreo dom da imortalidade, dilacero teu corpo para torná-lo eterno, para fazê-lo parte do mundo.

De longe ainda espio minhas janelas da infância, o pomar dos cheiros cítricos ou a manga suculenta do quintal vizinho, de longe vem o cheiro de canela, de tão longe, de tão longe que ainda me lembro que é uma alma, mais sólida que qualquer pedra, mais aconchegante que qualquer poltrona, mais eu que qualquer de meus atos.

Correrei como um assassino pelos becos escuros, sei que doerá a dor da partida, mas as gárgulas e arabescos esconderão meus passos, ainda assim, ainda posso, guardarei para sempre o pomar e os cacos do que fora, guardarei as velhas rendas barrocas, o velho cheiro de bolo e de café bem passado, fujo para tornar eterno, para tornar sólido, coerente na sua incoerência - Uma foto na parede, tão viva e tão sacra que fará chorar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adoro textos de infâncias... eu mesmo os escrevo aos montes. =)

E eu adorei a sua peculiaridade.
Parabéns!

Ingrid disse...

A torre anda tão quieta, reinando em nostalgia.